Cultura - Educação

O ENEM E A INGENUIDADE?

22 de Janeiro de 2015
Luiz Cláudio Jubilato
Prof. de Língua Portuguesa

Meus caros, no processo chamado ENEM, não há ingênuos. Observem:

1. O PROFESSOR:

Quando aceita corrigir a prova de redação do ENEM, sabe exatamente o que o espera: excesso de redações, que devem ser corrigidas em tempo exíguo; condições de trabalho "desumanas", mas nem tão desumanas assim, pois o professor as corrige em casa; ganha mal, mas já sabia disso, ao aceitar o trabalho; corrige no final do ano, já exausto depois de um ano de trabalho; corrige entre as festas de final de ano, o que é péssimo; quem é mais rápido, corrige mais e, por consequência, ganha mais; ganhará mal, se comparado ao excesso de trabalho; será espinafrado pela imprensa, que procurará os erros, jamais os acertos; todo mundo, de uma hora para outra, vira corretor e contesta o seu trabalho. Resumindo: não foi enganado, a não ser que não tenha feito a leitura correta do processo de anos anteriores.

2. OS CRITÉRIOS:

São inteligentes, há pessoas sérias trabalhando para elaborá-los, no entanto essas mesmas pessoas sabem que não serão os critérios o grande problema, mas sim a sua aplicabilidade.O treinamento para utilizá-los esbarra em vários fatores sérios: como a formação do professor, a experiência do professor para avaliar grande quantidade de redações. Seria o treinamento suficiente? De um ano para outro, esse treinamento mudou. Os ex-corretores afirmam que a qualidade do anterior era melhor. Afinar uma equipe é um trabalho muito complicado. Outras coisas também mudaram. Não me cabe aqui enumerá-las. Seria em nome da qualidade? Ou da economia?

3. O ALUNO:

Pode começar a se preparar desde o primeiro colegial, mas, a maioria, deixa para o segundo semestre do terceiro e/ou cursinho. Prefere partir para o "chutômetro" a refazer provas de anos anteriores, ler, escrever, corrigir. Imediatista, vai atrás dos "modelitos" pré- concebidos. O professor "cartomante". Se ele erra o tema, não o que fazer. Então, escrevem o que decoraram. Esperam que o corretor dê notas, sem ler, o texto. Não querem estudar, enfim. Se receber notas baixas, opta por cursos menos concorridos. O negócio é ser "universiotário". Todos sabem como funciona o ENEM. Os que vão bem, se consideram os vencedores, realizados, atravessaram a fronteira; os que vão mal, sentem-se injustiçados, procuram os coiotes, exigem liminares, recorreções...

4. A PROVA:

Como alguém pode ler, entender e redigir uma dissertação, em 1h, quando muito, depois de responder 90 testes, num sábado (4:30h), e, 90 testes (5:30h), no outro? Os enunciados das questões são enormes. Todo mundo reclama, mas e daí? Quem protesta na hora? O aluno tem 2 minutos, em média, para responder uma questão, seja ela de que matéria for. Desumano? Claro. Mas, todo mundo, que se sujeita, sabe disso. No entanto, ninguém se lembra de nada disso, por desinformação ou conveniência, quando saem os resultados. No ano seguinte, ocorre a mesma coisa. Como cordeirinhos, todos se sujeitam às mesmíssimas regras.

5. OS FISCAIS:

Mal treinados, desinformados, logicamente cometem erros clamorosos, prejudicando vários alunos, mas uma graninha no final do ano é bem vinda. Quais os critérios para escolhê-los? O treinamento é suficiente, sendo tão rápido, como é? Eles têm competência para o serviço ou vai, quem pode? O critério real é a indicação de amigos? Isso não criaria mais problemas do que soluções? Como foi amplamente noticiado, a vigilância é precária. Alunos tiram "selfie" com as provas nas mãos, dentro de banheiros, quadrilhas vendem provas. Provas vazam em gráficas escolhidas pelo governo. O próprio INEP contribui para as trapalhadas: repete, na prova oficial, questões da prova teste aplicada em Fortaleza. Alguém diria: "É impossível vigiar, o Brasil é muito grande". Quem se propõe a fazer, tem de criar metodologia para garantir a lisura do processo. Os larápios sabem que não há como garantir nada. Não houve um ano, em que não estourou um escândalo.

6. A POLÍTICA:

A propaganda do governo é mentirosa, os dados divulgados pelo INEP/MEC, neste ano, provam o que já cansei de dizer. O ENEM virou prova conteudista. É para os ricos. O governo afirmava que os pobres brigariam, de igual para igual, com os ricos, por uma vaga nas escolas públicas, pagando uma única inscrição. São usados critérios políticos para a nomeação do ministro: beneficia sempre os apaniguados.O ministro se mostra absolutamente desafinado com o processo (vejam suas declarações sobre o ENEM): tema difícil demais para o aluno, por isso tantos zeros. Os resultados são "vendidos" como "revolução" educacional para a mídia. Piada.O ENEM é um grande "negócio". Todo mundo ganha: ou dinheiro ou politicamente ou os dois. Foi transformado numa máquina para angariar votos. São milhões gastos para realizá-lo e milhões de pessoas envolvidas com ele.

7. O ENEM REGIONALIZADO:

A teoria esbarra no argumento de que isso beneficiaria os ricos e a equidade do processo. Bom, o ENEM, como já mostrei, o INEP e o MEC também mostraram, essa coisa beneficia os ricos. A segunda chamada já foi parar nas mãos das instituições de ensino, que faziam provas muito melhores que a do ENEM. A seleção ficou por conta delas, das médias dos cursos. Seriam muitas provas, verdade, mas o aluno teria mais chances também. O ENEM foi reduzido ao maior e mais estressante vestibular do país. Era essa a proposta? Dar uma chance apenas ao aluno?

Paro por aqui, senão escrevo um livro e encho o saco do leitor. Todo mundo sabe e, como sabe, o seu papel nesse processo, inclusive os pais. Não há inocentes segurando nenhuma das pontas do ENEM.

 

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