Cultura -

Daura Menezes: A coragem de trocar o mundo corporativo pela Arte

1 de Junho de 2020

O trabalho da UP Time Art Gallery é inspirar e fascinar através da Arte. Nossos artistas apresentam trabalhos que retratam nossas emoções, nossas causas, nossas vidas. O público sempre quer conhecer o artista por trás da obra. Quem é, como pensa? Que história de vida levou a esse trabalho?

Hoje conversamos com Daura Menezes.

A Dança faz parte de sua vida desde sempre. O contraponto ao movimento veio na paixão desta bailarina pela Fotografia. Nada mais natural que suas lentes se voltassem para a dança. A intensidade dessa entrega fica clara pelo fato de Daura ter deixado de lado uma carreira corporativa bem-sucedida para se dedicar exclusivamente à Arte.

Fotógrafa: Marília Oliveira | Projeto: Asas Macalossi
 

Nesta entrevista, Daura Menezes nos conta como essa mudança resultou na plenitude de uma vida com mais significado.

Na Fotografia, o que te move e comove?

Muitas coisas me comovem na Fotografia. Mas eu poderia resumir assim: a emoção me comove. Essa emoção pode vir numa imagem óbvia que mostre o sofrimento em um campo de refugiados ou um grupo de pessoas numa cidade bombardeada. Não há como ficar indiferente a certas cenas. Mas ao mesmo tempo, as emoções boas também me comovem. E são estas as que também me movem. Eu trabalho em busca da emoção e dou preferência a cenas que tragam algum sentimento positivo a quem está diante da imagem que eu produzo. Na fotografia de dança, por exemplo, busco a expressão e a emoção do bailarino.

O que a levou à Fotografia?

Sou apaixonada por dança desde que nasci, acho. Mas, devido às condições financeiras da minha família na época, só pude começar a dançar aos 12 anos. Desde minha primeira apresentação, eu sonhei com as fotografias que mostrassem a minha dança. Só que a qualidade era muito, muito ruim. Não dava para comprar. Eu, que sempre gostei muito de ler e estudar, acompanhava as notícias sobre dança nos jornais e nas revistas. Percebia que havia fotografias de qualidade e outras muito ruins, mesmo quando feitas por fotógrafos profissionais. Pensei: posso estudar pra fazer melhor do que isso! Minha primeira câmera profissional eu ganhei quando ainda era adolescente, nem sei dizer o ano. Meu primeiro curso fiz em 1997. Desde então, a fotografia de dança é meu objetivo: fazer as fotos que eu gostaria que tivessem feito pra mim.

Além de Fotografia, você pretende explorar outra área?

Sou formada em Publicidade e Propaganda. Faço alguns trabalhos como redatora freelancer, mas não pretendo investir nisso com objetivos de médio e longo prazos. Deixei uma carreira corporativa muito bem-sucedida para me dedicar à Fotografia, e não quero nem pensar em fazer algo que me leve para longe dela.

Você acha que ser fotógrafa é só concluir um curso e o resto fica por conta da criatividade?

De forma alguma! Acredito que a criatividade vem com a prática e com os estudos. Uma pessoa sem nenhuma base pode fazer um ou outro trabalho interessante, mas não será bem-sucedida na carreira se não tiver dedicação aos estudos e à prática. Esse raciocínio se aplica a qualquer profissão. Acho interessante quando me deparo com pessoas que fazem um workshop e já querem a capa de um jornal. Não é tão simples, ainda bem! Gosto muito de uma frase de Pablo Picasso: “Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.”

Como foram seus primeiros passos na fotografia?

Depois do primeiro curso em 1997, percebi que o mercado em Santos era bem complicado, especialmente para uma estudante que não atingira a maioridade ainda. Não havia abertura e as câmeras eram analógicas ainda. A produção era cara. Por isso, praticar era difícil.

Comecei a estudar imagens a partir do que era feito por outros profissionais. Isso me levou ao Bacharelado em Publicidade e Propaganda. Esta área envolvia, entre outros, dois assuntos que me interessavam: a redação e a imagem. Da faculdade, fui parar numa grande empresa, sonho para muitos profissionais e muitas famílias: o Banco do Brasil. Durante 15 anos, me dediquei à carreira corporativa, construí uma história da qual me orgulho, fiz grandes amigos. Mas continuei estudando fotografia.

Nas horas vagas, fotografei muitas paisagens de Santos, São Paulo, e viagens que realizei. A câmera era minha melhor companheira. Fotografei eventos de amigos, fiz ensaios, fotografei eventos esportivos e espetáculos de dança. Realizei testes em todas as áreas que estivessem ao meu alcance, porque eu precisava encontrar meu caminho na Fotografia. Na fotografia de dança, comecei com as apresentações de amigas. Depois, mais confiante, pedi autorização de grandes companhias para fotografar seus espetáculos. Em dança, fiz todos os trabalhos de graça, porque sabia que era preciso muito treino para me considerar uma fotógrafa da área.

Manter a carreira corporativa e a de fotógrafa cobrou seu preço: fiquei tão estressada que precisei dar uma pausa e escolher. Fiquei com a Fotografia.

Quem você admira como fotógrafo e segue como referência?

Emídio Luisi e Paula Lobo são minhas referências em fotografia de dança. Sou fã de outros nomes contemporâneos incríveis, de outras áreas da Fotografia, como Araquém Alcântara, Sebastião Salgado, Bob Gruen, André Cypriano, Nana Moraes. 

Estudo alguns expoentes das artes plásticas como referências para minha fotografia: Edgar Degas, Caravaggio e Rembrandt são grandes mestres, especialmente quando falamos de luz e sombras.

Recentemente você apresentou um projeto muito bacana de dança, Hands. Conte sobre ele.

O projeto Hands nasceu de um ensaio fotográfico de dança meditativa. Eu estava fotografando a bailarina Samaa Hamra quando fiz a proposta de realizarmos algumas imagens em preto e branco, onde ela se expressasse utilizando apenas as mãos. Conforme as fotos foram acontecendo, percebi o potencial emotivo destas cenas. Ficou até difícil definir o nome, porque existe muita subjetividade nas imagens.

Esse projeto Hands lhe rendeu muita notoriedade. Como lidar com o sucesso desse projeto?

Confesso que ainda não me acostumei com isso. Sucesso, pra mim, é perceber que consigo emocionar com a minha fotografia. E por isso, esse projeto tem um gostinho especial.

Como é ter que produzir e dirigir um projeto?

É muito trabalhoso e exige muito envolvimento. Para o fotógrafo, considero importante o foco no projeto, para não se perder nos objetivos e na linha de comunicação almejada com o trabalho. É preciso também uma boa dose de gentileza consigo mesmo, para não se exigir demais e para não comparar seu trabalho com outros. Cada um é singular e tem sua mensagem a expor para o mundo.

Quando você descobriu a fotografia fine art?

Em workshops e estudos. Admiro e acompanho o trabalho de muitos profissionais da fotografia fine art, mas eu não achei que estivesse pronta para ela. É um mercado altamente exigente. Quando viajei para o Deserto do Atacama, no Chile, em 2017, pensei: essas imagens são fine art. Era como se a Natureza daquele lugar me dissesse que era chegada a hora de eu pensar minha fotografia de outra forma. O projeto Hands veio em seguida, para confirmar que a fotografia fine art me chamava pro jogo.

Quais os elementos necessários para ser um fotógrafo bem-sucedido?

Pergunta muito difícil. Sucesso na fotografia, pra mim, é olhar para o trabalho realizado naquele dia e ter certeza que você atingiu seu objetivo. Para chegar a essa conclusão, um fotógrafo precisa ser dedicado, praticar o tempo todo, manter-se informado sobre novidades no setor, estudar com outros profissionais e manter-se curioso para aprender cada vez mais.

Você acha que no Brasil é realmente difícil se destacar como profissional na área artística, por quê?

Sim. A arte ainda é vista sob estereótipos que atrapalham a imagem do artista. Ainda há quem pense na arte apenas como um hobby. É muito comum um músico ou um fotógrafo, por exemplo, ouvir coisas do tipo: “Você toca (ou fotografa), mas trabalha também?”

Engraçado é que, durante o isolamento social causado pela pandemia do Covid-19, a arte nos salvou emocional e intelectualmente com a apresentação de filmes, a exposição de fotografias online, a realização de shows de música ao vivo pelas redes sociais, os cursos de artesanato que as pessoas fizeram para passar o tempo, e por aí vai.

Qual  mensagem você deixa para quem está começando?

Pratique sua fotografia com o coração, emocione-se com ela. E estude muito, com devoção. Até rimou (rsrsrsrs).

Qual a maior alegria que a Fotografia lhe proporcionou?

Todas as vezes que um bailarino se emociona com as fotos que realizo eu me emociono junto. Não posso deixar de citar algo recente, que me deixou sem palavras. O bailarino Marcelo Justino tatuou um desenho inspirado numa fotografia de um ensaio fotográfico que realizamos. Podemos dizer que ele imortalizou minha foto. Isso não tem preço.

Como você vê o mercado da Arte no Brasil?

Percebo que há muito espaço para crescer porque os artistas estão cada vez mais engajados e unidos. O público pode passar a ter um outro olhar sobre a Arte no cenário pós-pandemia, especialmente diante de trabalhos incríveis que muitos realizaram neste período. Ainda precisamos trabalhar a formação de públicos que entendam a importância da arte, do consumo de arte.

Você acha que toda Arte é politicamente engajada?

Sim, porque toda arte tem algo a dizer. Entendo que os discursos humanos

oferecem muitas reflexões, ainda que não tenhamos uma bandeira formalmente levantada.

Recentemente você viajou para o Deserto de Atacama e fez fotografias incríveis! Fale sobre isso.

Um dos maiores prazeres, para mim, é viajar. Gosto de conhecer outras culturas, me envolver com as pessoas locais e ver paisagens diferentes. Um dos países que mais me encantam é o Chile, para o qual já fui 3 vezes e quero voltar. Fui com uma amiga ao Deserto do Atacama. Pesquisei sobre o local antes, como sempre faço, para entender qual câmera seria mais conveniente levar. Sim, planejei a viagem imaginando que eu teria muitas boas oportunidades de fotografar. Optei pela minha câmera mais leve.

Chegando em São Pedro de Atacama, buscamos guias locais para nos levar em pequenas excursões e fizemos amizades encantadoras. As paisagens do deserto são as mais estonteantes, sou incapaz de descrever. Desde salares incrivelmente brancos a paisagens desérticas e inóspitas, passando por cenários verdes e cheios de vida. Observar os vulcões ativos e os gêiseres, por exemplo, me fez pensar como somos pequenos diante da natureza.

Desta viagem, fiz algumas séries diferentes. Nas fotografias de paisagem, busquei mostrar a imensidão do deserto e o silêncio. Quando vejo estas fotografias, lembro que a correria das grandes cidades e as distrações tecnológicas não têm nenhum sentido quando estamos diante de paisagens como aquelas.

Fotografei também a cultura local, a simplicidade da cidade e as texturas naturais do Atacama.

Viajar é sempre muito bom, mas o Deserto do Atacama mudou minha forma de me ver e de entender o mundo. Recomendo!

Qual mensagem que você deixa pra quem quer começar na fotografia profissional?

Ao longo dos meus estudos de dança e de fotografia, aprendi muitas coisas sobre profissionalismo. Não sei nem dizer quais lições aprendi com uma ou com a outra arte. Fato é que aprendi que antes de ser profissional, devemos nos comportar como se já o fôssemos. Um bom profissional deve ser pontual na entrega e na realização dos trabalhos, deve estar em desenvolvimento constante e entender que não sabe tudo. Sempre há espaço para aprender mais. Seja generoso consigo mesmo e com o objeto de seu trabalho, respeitando o espaço do outro – seja ele uma pessoa, um animal, o meio ambiente, o que for. E esteja pronto para trabalhar muito! 

Mais informações:

Instagram: @dauramenezes
Site: www.uptimegallery.com
Instagram: @uptimeartgallery

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