Colaboradores - Valéria Calente

A "Febre" dos Bebês Reborn - Uma Perspectiva sobre Saúde Mental e Afeto

21 de Maio de 2025
Foto: Freepik/ Divulgação

Os chamados “bebês reborn” — bonecos hiper-realistas que simulam com impressionante fidelidade recém-nascidos — ganharam destaque nas redes sociais, em feiras especializadas e até em consultórios psicológicos. Embora, à primeira vista, possam parecer apenas brinquedos sofisticados ou itens de coleção, os bebês reborn se inserem em um fenômeno mais complexo, que toca diretamente questões emocionais profundas e revela aspectos importantes da saúde mental na sociedade contemporânea.

A atração por esses bonecos ultrapassa o mero interesse estético. Muitas pessoas — majoritariamente mulheres — relatam vínculos afetivos com os reborn, cuidando deles como se fossem filhos: trocam roupas, simulam rotinas de alimentação, compram acessórios e, em alguns casos, dão nomes e registram "nascimentos" simbólicos. Esse comportamento, que para uns pode parecer excêntrico, carrega em si uma dimensão terapêutica e simbólica que merece atenção e respeito.

Para psicólogos e psiquiatras, os reborn podem funcionar como objetos de transição — conceito proposto por Donald Winnicott — auxiliando no processamento de traumas e na elaboração de perdas.

Mães que perderam filhos, mulheres com infertilidade, pessoas que enfrentam o luto, o isolamento ou a solidão emocional, encontram nesses bonecos uma forma segura de expressar afetos reprimidos, reencenar vínculos e suprir, ainda que simbolicamente, carências afetivas. Em contextos clínicos, há relatos de uso dos reborn como ferramentas terapêuticas, sobretudo em pacientes com demência, transtornos ansiosos ou depressivos, oferecendo conforto emocional e promovendo sensação de cuidado e rotina.

Entretanto, como todo fenômeno que envolve a saúde mental, o uso dos bebês reborn precisa ser compreendido dentro de limites saudáveis. Quando há substituição de relações humanas por vínculos exclusivos com os bonecos, ou quando seu uso impede o enfrentamento da realidade — por exemplo, impedindo o luto ou mantendo fantasias irreais de maternidade — pode haver sinais de sofrimento psíquico que demandam acompanhamento profissional. A fronteira entre o uso simbólico e o escapismo patológico é tênue e deve ser avaliada caso a caso, sem estigmas, mas com olhar técnico e acolhedor.

Do ponto de vista social, a “febre” dos reborn também aponta para uma sociedade em que o cuidado, o afeto e a presença materna/paterna são cada vez mais idealizados, mas nem sempre viabilizados na prática. Os bonecos podem representar o desejo de controle sobre uma experiência materna perfeita — silenciosa, obediente, sempre disponível — que contrasta com os desafios reais da parentalidade.

Nesse sentido, o fenômeno também pode ser lido como uma crítica silenciosa aos ideais inatingíveis impostos às mulheres sobre maternidade e afeto.

Na última semana notícias sobre a disputa em ação divorcio envolvendo a aguarda de um bebê reborn ganhou as redes sociais. Mães que faltaram ao trabalho para levar seus bebês reborn ao pediatra e por aí vai...

Em suma, os bebês reborn são mais do que brinquedos realistas: são espelhos de carências emocionais, fantasias inconscientes e, por vezes, dispositivos de resiliência.

Quando compreendidos sob a ótica da saúde mental, revelam nuances importantes do sofrimento psíquico e da busca por vínculos, cuidado e sentido em uma era marcada pelo individualismo e pela desconexão emocional. Cabe aos profissionais da saúde — e à sociedade como um todo — acolher, compreender e, quando necessário, orientar o uso desses objetos de forma ética e empática, reconhecendo neles não apenas um modismo, mas uma expressão legítima da complexidade humana.

Não é demais lembrar que muitas crianças esperam por um lar substituto em abrigos ou adolescentes que nunca os encontraram buscam padrinhos afetivos para que possam estabelecer vínculos e sentir inclusão, acolhimento, apoio e pertencimento.

Convido todos a conhecer o programa de apadrinhamento afetivo da Vara da Infância e Juventude do Foro Regional de Santo Amaro, resultado de uma parceria entre o Poder Judiciário, a OAB – Comissão de Adoção, Infância e Juventude e UNISA.

Vejam perfil no Instagram – @apadrinhamento.afetivostoamaro

 

Valéria Calente

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