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“Crédito Rural Verde”: uma cortina de fumaça para encobrir o desmonte do apoio ao produtor rural

30 de Junho de 2025

Por Charlene de Ávila e Néri Perin

Enquanto o campo brasileiro aguarda ansiosamente o anúncio do Plano Safra 2025-2026, o que se vê, por enquanto, é mais confusão do que clareza. O governo fala bonito sobre “transição verde”, crédito sustentável e “agricultura de baixo carbono”, mas, na prática, as travas e cortes no crédito e no seguro rural escancaram o desprezo por quem realmente sustenta o país: o produtor rural.

O tema do crédito rural verde está em alta nas grandes discussões climáticas — especialmente porque terá lugar cativo na próxima COP (COP 30), que se realizará no Brasil em novembro. Todo mundo fala em sustentabilidade, descarbonização e financiamentos “verdes”, que deveriam transformar a agricultura brasileira em um exemplo mundial. Mas, na prática, será que o produtor rural brasileiro está preparado para tanta burocracia, custos elevados e regras que parecem saídas de outro planeta?

A verdade é que, para o pequeno e médio produtor, a situação está longe de ser simples. Já é difícil conseguir crédito rural tradicional, com juros estratosféricos e prazos exíguos — imagine ter que se adaptar a um monte de exigências extras: relatórios ambientais, certificações, comprovações agroecológicas, sistemas de monitoramento e por aí vai. O Brasil precisa entender que não há sustentabilidade sem rentabilidade. E não há segurança alimentar sem segurança financeira no campo. O agricultor brasileiro não pode ser tratado como um vilão ambiental nem como um cliente bancário a quem se nega crédito acessível.

É claro que o tema é urgente e precisa ser discutido. Mas o Brasil precisa, antes de tudo, de crédito rural — não apenas o “verde” — que seja acessível, barato e desburocratizado, com apoio prático que entenda o dia a dia do campo, e não apenas as normas no papel. Na prática, a pauta verde pode se tornar mais uma forma de concentração de crédito, exclusão produtiva e dependência tecnológica — transformando uma agricultura que deveria ser inclusiva e regenerativa em algo excludente e excessivamente burocratizado.

O crédito verde pode ser importante, sim — mas não da forma como está sendo construído hoje: de cima para baixo, sem ouvir quem produz. Enquanto não houver linhas simplificadas, apoio técnico prático (e não só diagnóstico), juros acessíveis e reconhecimento das práticas sustentáveis que o produtor já adota — mesmo sem certificação (e sem a necessidade de rotulá-las como “agricultura de baixo carbono”, só porque está na moda) —, esse modelo continuará sendo apenas um modismo de papel e um negócio lucrativo para quem está longe da roça.

E é aí que devemos perguntar: a quem interessa essa complexidade? Porque, se o agricultor está sendo excluído, alguém está ganhando com isso. Que tal: bancos e fundos financeiros que operam seguros “verdes” com selo de sustentabilidade e bônus climáticos; empresas de tecnologia que vendem rastreabilidade e georreferenciamento como solução milagrosa; consultorias que escrevem projetos impecáveis — mas distantes da realidade da roça; ONGs e organismos internacionais que usam a pauta para levantar fundos e construir agendas globais... e por aí vai.

Enquanto isso, o produtor vê sua produção em risco, sem seguro e sem acesso a crédito decente. É hora de parar de fingir que o problema está na falta de compromisso do agricultor. O que falta é política pública com os pés no chão. É preciso valorizar as boas práticas já existentes, simplificar regras e democratizar o acesso a um crédito seguro. Sem isso, o “verde” será apenas uma cor bonita nos relatórios de quem nunca pegou em um enxadão.

Charlene de Ávila é advogada, mestre em Direito e consultora jurídica em propriedade intelectual na agricultura no escritório Néri Perin Advogados Associados.

Néri Perin é advogado agrarista, especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo de Néri Perin Advogados Associados.

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