Cultura - Educação

Devemos alterar o acordo ortográfico de 1990?

29 de Julho de 2014

 

Qualquer pessoa que estuda a história ortográfica das línguas sabeque, por razões econômicas e culturais,  não se deve mexer em ortografiasestabilizadas. Mudanças “simplificadoras” ou “racionalizadoras”, embora propostas sempre com a maior das boas intenções, resultam, se implantadas, emdesastre.

Apesar dessa lição histórica, os filólogos da geração de AntônioHouaiss, portugueses e brasileiros, entenderam que era necessário superar aduplicidade de ortografias oficias do português. Depois de décadas de debates,chegaram ao Acordo Ortográfico de 1990, pelo qual se fizeram pequenos ajustesem cada uma das ortografias vigentes para submetê-las a um único conjunto deprincípios. Na proposta desses filólogos, não houve propriamente uma “reformaortográfica”, na medida em que o núcleo duro das bases da ortografiaestabelecidas em 1911 não se alterou.

O AO foiratificado por todos os países de língua oficial portuguesa, a começar porPortugal, que o fez já em 1991. Houve, depois, alguns Protocolos Aditivos,todos já também devidamente ratificados por todos os países. Falta ainda Angolacompletar o processo. E a demora não decorre de aquele país recusar o Acordo(afinal é um de seus signatários), mas do seu entendimento de que, antes daratificação, precisa definir formas para melhor adaptar graficamente asinúmeras palavras das línguas bantu que enriquecem o português daquele país.

O AO está inteiramente implantado no Brasil desde 2009; está emavançado processo de implantação em Portugal e em progresso nos demais países.Assim, dizer, como se lê vez por outra na imprensa, que o AO fracassou é desconhecera realidade ou, pior, querer ignorá-la.

A questão que se levantou no Brasil no fim de 2013 é se devemosalterar os termos do AO. Como o questionamento vinha de membros da Comissão deEducação do Senado, o governo federal decidiu, ex abrupto e sem maiores consultas,prorrogar a vigência definitiva do Acordo para 2016 (antes prevista para01/01/2014).

Alegou-se,na ocasião, que com isso fazíamos um gesto de cortesia a Portugal, emparelhandonosso calendário ao de lá. E, paralelamente, ganhávamos tempo para proporalterações em aspectos do Acordo que supostamente precisam ser ajustados ou“mais bem acordados”.

Não há, porém,  nenhum bom argumento que justifique mexer noAcordo. Os poucos pontos que geram alguma dúvida são marginais e, no fundo,estão sendo equacionados tecnicamente na elaboração do Vocabulário OrtográficoComum (VOC).

Este instrumento, previsto no AO, já conseguiu, pela primeira vezna história da língua, unir numa só plataforma todas as basesléxico-ortográficas portuguesas e brasileiras. Só isso é já um magnoacontecimento.

Há, contudo, mais: o projeto do VOC está promovendo a elaboraçãode Vocabulários Ortográficos Nacionais onde ainda não havia nenhum. O deMoçambique está quase pronto; o de Timor-Leste está em avançado processo deexecução. E os demais em andamento.

O VOC deverá estar concluído para ser apresentado na próximareunião dos Chefes de Estado e Governo da Comunidade dos Países de LínguaPortuguesa (CPLP) que vai se realizar no segundo semestre de 2014 em Dili (Timor-Leste).

Com o VOC, teremos à disposição não apenas uma referência comum esegura da ortografia, mas também um rol de acervos lexicais que vão permitirenriquecer substancialmente os dicionários da língua. Por tudo isso, o projetodo VOC tem recebido apoio institucional de importantes centros de pesquisa emprocessamento automático de línguas naturais, bem como recursos financeiros dediversas fontes como o pagamento de bolsistas do projeto pelo Instituto Camõese o montante de 30 mil euros recentemente dado ao projeto pelo governo deAngola.

Nãoprecisamos, portanto, mexer no AO. Contudo, é importante não esquecer quequalquer retrocesso na implantação do AO no Brasil implicará enormes prejuízospara as editoras nacionais (há alguém interessado em quebrar nosso parqueeditorial?), além de incalculável e injustificável desperdício de dinheiropúblico, considerando que todos os milhões de livros do Programa Nacional doLivro Didático têm sido impressos, desde 2010, com a ortografia prevista no AO.

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* Professor Titular (aposentado) deLíngua Portuguesa da Universidade Federal do Paraná, Coordenador-Geral daComissão Nacional brasileira do Instituto Internacional da Língua Portuguesa(IILP/ CPLP) e consultor brasileiro do projeto do Vocabulário Ortográfico Comumda Língua Portuguesa.

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