Cultura - Teatro

Nijinsky Minha loucura é o amor da humanidade

20 de Agosto de 2014

 

Com texto de Gabriela Mellão, Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade, estreia dia 28 de agosto para temporada de quinta a domingo no SESC Belenzinho. Gabriela também divide a direção do espetáculo com João Paulo Lorenzon, protagonista da montagem (indicado ao prêmio Shell de melhor ator 2012).

Lorenzon contracena com Michelle Boesche (indicada ao prêmio Shell 2013), Djin Sganzerla (Prêmio APCA 2009), Nabia Vilela e Francisco Bretas (indicado ao Shell em 2000).  Quem assina a trilha sonora é Raul Teixeira. O desenho de luz é de Fábio Retti. Reinaldo Soares assume a preparação de dança e Renato Marino o treinamento em cama elástica.

A montagem resgata poeticamente a figura histórica do lendário Vaslav Nijinsky, considerado o Deus da dança moderna, que personifica a essência do artista em sua fé e obstinação inabaláveis na arte.

A encenação se propõe a retratar simbólica e oniricamente os voos e as quedas de Nijinsky. Transforma parte do palco numa imensa cama elástica buscando explorar as possibilidades imagéticas geradas a partir deste chão inusitado que evoca o universo mental e corpóreo do protagonista. Nela, Nijinsky (Lorenzon) dançará a 3 m do chão, uma coreografia que não deseja alcançar a representação do ballet, mas as glórias e ruínas do dançarino.

Nijinsky surpreendeu o mundo com sua criatividade e ousadia. Rejeitou as regras do ballet clássico e da sociedade do início do século XX para dançar o instinto, no palco e na vida. Colocou demência em evidência. Transformou enfermidade em beleza, antecipando preceitos da arte contemporânea.

O espetáculo expõe a mente original e atordoada deste homem que foi estigmatizado como louco por não se enquadrar aos padrões sociais de sua época e hoje é exemplo de genialidade, como Van Gogh, Artaud, Beethoven e Nietzsche.

As ascendências e quedas do bailarino são representadas em cenas de intensidade física que se servem de estados limites do corpo para alterar voz e atuação. Nijinsky é manipulado, amarrado, asfixiado, esticado e elevado durante o espetáculo, em atos que rompem a linguagem prosaica, através de um acabamento estético que persegue o simbólico.

A montagem adentra o universo interior de Nijinsky, o qual contracena com fantasmas que sobrevoam seu imaginário. Imerso em si, à parte à realidade cotidiana, Nijinsky inicia o espetáculo ocupando um balanço a 3 metros de altura. Seus interlocutores permanecem em solo, distantes de seu mundo. Seu empresário/amante (Diaghlev), sua mulher (Romola), mãe (Eleonora) e irmã (Nijinska) são memórias materializadas que o violentam ao mesmo tempo em que o acolhem.

Os personagens que regem a mente de Nijinsky são figuras que interferiram na vida do bailarino. Entretanto, na montagem eles ganham novas camadas. No espetáculo podem ser vistos também como figuras arquetípicas presentes no imaginário de todo homem – tais como a maternal que nutre e abandona, a paterna que impulsiona e oprime, ou a amante que enaltece e aprisiona.

A Dança da Vida

A dança torna visível o invisível. É expressão e celebração da união entre homem e natureza. Libera o ser humano ilimitado da ilusão de ser um indivíduo aprisionado nas fronteiras de sua pele. Essa é a força de Nijinsky. A dança é sua própria natureza.  Através de sua arte, o bailarino se identifica com o movimento rítmico do todo que habita e se entrega ao desejo de ultrapassar a efemeridade da vida. Sente-se capaz de tornar Deus presente e sua humanidade potente.

Loucura? Ou sabedoria, como comprova a história da humanidade?

O homem tem o hábito de subestimar o que foge da rede de procedimentos intelectuais. A experiência dos sentidos ajuda a abranger realidades maiores, que escapam da apropriação puramente mental. A dança busca contradizer o racionalismo de pensadores como Sócrates, Leibniz, e Hegel, para os quais nada tem sentido ou existência real fora do que pode ser reduzido à razão.

Desde a origem da sociedade é pelas danças e pelos cantos que o homem se afirma como ser maior. A dança exprime a coesão e o poder transcendente da comunidade. A arte reúne a beleza e grandeza da vida. 

A dança mostrou-se, ao longo do tempo, capaz de revelar a grandeza ou o declínio de uma civilização. Na China do século VI o sábio Confúcio dizia: “Mostre-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou se goza de boa saúde”.

Em sua Poética, Aristóteles, identifica como dança o ato do homem ultrapassar seus limites. Um dos dançarinos japoneses mais importantes do início do século 20, o ator de Nô Kishiro Matsumoto, dizia: “Dançar é aprender os movimentos dos Deuses”.

Como não acreditar, como um xamã, que a dança pode curar o indivíduo insuflando-lhe a vida maior do todo?

O antigo escritor turco Lucien de Samosathe escreve: “A dança nasceu no começo de todas as coisas; veio a luz ao mesmo tempo em que Eros, pois esta dança primordial aparece no ritmo das constelações, no movimento dos planetas e das estrelas, nas rondas e evoluções traçadas no céu.

Dante, no último canto da Divina Comédia, onde a dança aparece como uma das principais atividades no paraíso, diz: “É o amor que move o céu e as outras estrelas”.

 

 

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